Medo de banho, medo de veterinário, medo de vassoura, medo de trovão, medo de fogos. Ok, muitos cães tem esses medos e consideramos “normal” que seja assim, afinal, a maioria dessas coisas pode ser assustadora ou negativa para os peludos. E medo de coleira? Medo de saco de lixo? Medo do guarda-chuva, da cortina e do espelho? Esses medos tão estranhos e aparentemente sem razão são os que mais deixam os tutores com a pulga atrás da orelha. O que teria motivado o cão a agir com tanto receio?
Uma concepção errada, porém muito comum, é que se um cão tem medo, ele com certeza foi mal tratado. Medo de vassoura – levou uma vassourada da faxineira. Medo do vet – a injeção o assustou. Mas e o espelho e o guarda-chuva? Que mal eles teriam feito ao peludo? O que muitas pessoas não sabem é que muitos cães desenvolvem medos – e até fobias – de coisas não familiares, às quais foram apresentados da forma errada.
Alguns cães tem, por conta da sua personalidade e temperamento, uma tendência a se interessar e se aproximar de coisas diferentes, de novidades. Mesmo que tomem um susto inicial, o interesse e a curiosidade acabam vencendo, e logo percebem que o objeto novo não é um bicho de sete cabeças, mesmo que não seja algo legal ou divertido – um simples guarda-chuva, por exemplo. Mas, alguns cães, ao verem objetos, sons ou qualquer estímulo diferente, imediatamente acreditam ser algo perigoso, ameaçador, sem sequer ter coragem de se aproximar. E mesmo que esse estímulo não faça nada de assustador, simplesmente por ser uma novidade, é encarado pelo cão como algo ruim.
Compreendendo esse ponto, o que devemos fazer para ajudar o cão a ser o mais corajoso e destemido possível, é sociabilizá-lo desde pequeno. Dos 45 dias até o 3º mês de vida, a chamada “janela de sociabilização”, é a época ideal para apresentar o filhote aos mais variados estímulos, sempre de forma gradual. E lembrando que eu disse anteriormente, que mesmo que o estímulo seja neutro, sem graça, dependendo do cachorro ele pode se visto como algo ruim, é necessário sempre associar estímulos novos com coisas boas – ou seja, sempre que ele encontrar algo diferente, deve receber um petisco, um carinho, um elogio.
Dicas para melhorar a vida do seu cachorro
Existem alguns pontos principais para aprender a lidar com o(s) medo(s) do seu peludo, e acredito que muitas pessoas desconheçam, e até foram ensinadas a fazer o contrário:
– Procure reparar e tratar o medo do seu cão assim que perceber que ele existe. Muitas vezes, principalmente com filhotes, as pessoas esperam que com o tempo o peludo fique mais corajoso, aprenda a lidar ou acostume com aquilo que teme. Mas geralmente, quando se trata de medo, o contrário acontece: quanto mais o tempo passa, mais o medo se agrava, sendo muito mais difícil atenuar depois que o cão já teve muitas experiências negativas.
– Não obrigue o cão a enfrentar seus medos à força. Algumas pessoas incentivam o cão a se aproximar de algo assustador, muitas vezes até levando no colo ou puxando o cão nessa direção, com a intenção de que ele percebe que não há o que temer, mas na cabeça do cão, o dono está literalmente jogando-o em direção ao perigo. Dependendo do cachorro, em vez de dessensibilizar, isso pode sensibilizar ainda mais, causando um trauma.
Pense numa pessoa que tem fobia de aranhas; por acaso ser obrigada a segurar uma aranha, por menor que ela seja, vai ajudá-la a gostar desses bichos? O que pode acontecer é a pessoa “congelar” e perder a capacidade reativa, mas não significa que ela esteja curtindo a situação. O mesmo acontece com os cães; param de reagir se expostos a algo, mas não aprendem a gostar. Portanto, nunca force um cão medroso a se aproximar do que ele tem medo, mas guarde uma distância na qual o pet sinta-se seguro o suficiente para olhar o objeto. E principalmente, fique com ele, elogie, agrade-o e mostre para ele que está tudo bem, sempre de forma positiva e alegre. O tom de voz tem um poder enorme nessa hora, e é importante permanecer calmo e controlado, para ajudar o pet a se controlar. Petiscos também ajudam a associar o estímulo ruim com algo positivo.
– Observe as pequenas reações do seu cão, pois elas indicam o grau de estresse que ele está sentindo. Muitos tutores falham em reparar nesses detalhes, e quando dão por si, o peludo já está esperneando, tentando fugir, ou ainda latindo e rosnando tentando se defender. As expressões de medo clássicas, como enfiar o rabo entre as pernas e colar as orelhas à cabeça já são conhecidas, mas lamber rapidamente o nariz, desviar o olhar, sentar-se de costas ao estímulo, farejar compulsivamente o chão (sem que haja algo interessante lá) ou bocejar (sem estar com sono) estão entre os comportamentos que indicam ansiedade ou estresse, e podem indicar que o cão está numa situação onde possivelmente se assustará ou reagirá. Se entendemos e atuamos diante desses sinais, retirando o cão da situação, evitamos o susto, e o cão sentirá mais confiança nas pessoas e a certeza de que está protegido.
– Falando em evitar, é muito importante evitar, sempre que possível, que o cão passe por sustos e medos desnecessários, como por exemplo, cães que tem medo de trovões em temporadas de chuva, onde o ideal é que já fiquem em ambiente interno, de preferência com algum isolamento do som (ou mesmo uma TV ou rádio ligado encobrindo os barulhos externos). Muitas pessoas pensam que devem deixar que o cão lide com alguns medos sozinho, pois acreditam que naturalmente o pet entenderá que não há nada a temer – esse conceito errado acontece principalmente com cães que tem medo de outros cães, e são soltos em parques ou cachorródromos na esperança de “sociabilizar”. Mas, assim como em pessoas, muitas vezes o medo é quase “irracional”, e não é possível controlá-lo, mesmo que seja uma situação corriqueira ou rotineira. Portanto, é preciso evitar que o cão passe por situações assustadoras sozinho, estando presente quando elas acontecerem para poder controlar, na medida do possível.
Paciência é a chave do sucesso
E acredito que o conceito mais importante para lidar com o cãozinho medroso e tratar esse problema tão difícil, é ter paciência. Com o treino adequado, o cão vai evoluir na velocidade dele, e não existe receita ou mágica que possa acelerar o processo. Muitos casos até nos supreendem durante o adestramento, onde cães muito medrosos se tornam calmos e confiantes rapidamente, porém na maioria das vezes, o treinamento de um cão muito medroso pode ser demorado. E em muito casos, o cão não vai se tornar o bichinho mais confiante do planeta, mas pode sim melhorar muito sua qualidade de vida, conseguindo ser sociável e ter uma vida mais normal, com algumas limitações. Basta ter persistência, compreensão e muito amor para ajudar o peludo!
*** Por Juliana Nishihashi, Adestradora e Consultora Comportamental da Cão Cidadão