Não é incomum sermos chamados para “adestrar” cães por conta de problemas na hora da refeição. Não, não… não é por causa daquele cachorro que atrapalha a refeição dos outros, pulando na mesa e roubando comida. O problema é durante a refeição do próprio cão, que apresenta alguma anormalidade para se alimentar: come rápido e em quantidade demasiada, e parece estar o tempo todo com fome, ou não tem fome, dependendo de “artifícios” dos tutores para conseguir comer minimamente bem; ou ainda, há aqueles peludos que comem sua comida e tudo o que houver pela frente – pano, papel, folhas, pedras!
A alimentação do cachorro parece ser a parte mais simples do seu manejo diário, certo? Ração de primeira qualidade, oferecida no seu potinho, o Totó ganha também uns biscoitos durante o dia como guloseima e também outros petiscos durante o adestramento. Pois saibam que essa rotina tão comum é fonte de muita dor de cabeça para tutores, simplesmente por não conhecerem algumas particularidades que nossos amigos caninos possuem:
Cães são caçadores por natureza
E o que isso tem a ver com o cão que come muito, ou que rejeita a ração? TUDO. Se o cão dependesse só dele para se alimentar, vivendo solto e livre, ele caçaria sua própria comida (sim, outros bichinhos!), e de quebra, procuraria alguns frutos para petiscar durante o dia. Essa caça e procura são extremamente naturais e prazerosas para os cães, que se divertem enquanto buscam alimento. E quando colocamos ração no pote duas vezes por dia, ou pior, quando deixamos um monte comida à vontade, desvalorizamos o ritual de alimentação do cão, tornando-o sem graça e vazio. Em alguns cães, isso pode se refletir no comportamento de comer tudo em poucos segundos, sem o menor apreço pela comida, e outros podem rejeitá-la, por ter ficado muito tempo aberta, ou por ser sem graça comer dessa forma.
Como melhorar essa situação? Fazendo com que o cão trabalhe pela comida! Muitos tutores sentem pena de dificultar a refeição do peludo, mas justamente aí que entra a diferença entre humanos e cães: os cães gostam de fazer esforço! Pode ser através de um brinquedo específico, um comedouro lento, uma garrafa pet furada, [ver referências abaixo] simplesmente espalhando a porção de ração no quintal ou colocando vários potinhos em vez de uma só vasilha. Inicialmente o cão pode estranhar, mas logo achará interessante! Se os tutores fizerem festa e incentivarem, ainda mais! Para aqueles peludos que foram habituados a comer da mão do tutor, é uma boa saída para aumentar sua independência: incialmente o tutor manipula o brinquedo e mostra a comida, até que o pet aprenda a se alimentar sozinho de forma divertida. Essa atividade tende a aumentar o apetite dos mais seletivos, pois nem percebem que estão comendo durante a brincadeira, e também desacelerar a velocidade dos apressadinhos.
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Cães tem paladar
Antigamente, muitas pessoas falavam “cachorro não diferencia gosto! É só dar qualquer comida!”. Na prática, percebemos que cães tem paladar e preferências alimentares. Isso pode ser, em parte, pela oferta de alimentos “não caninos” por parte dos tutores; por hábito ou coração mole, dão alguns alimentos muito mais saborosos do que a ração própria para cães. Isso é particularmente prejudicial quando o peludo ganha algo mais gostoso quando não comeu sua comida. Exemplo: cãozinho recebeu sua ração, mas não estava com muita fome naquela hora. Seu tutor, assustado com a possibilidade do cãozinho passar fome mais tarde, ou estar doentinho, tenta incentivá-lo a comer colocando algo mais palatável na ração (molhinho de carne, ração em pasta, carne moída, etc), ou diante de uma negativa total do cão, suprem a falta da refeição com uma fruta ou biscoito. O cachorro, que não é bobo, começa a relacionar que sempre que não come a ração, alguém complementa ou substitui por algo mais gostoso. Forma-se aí uma preferência alimentar e um padrão de comportamento: “demoro para comer, ganho algo mais gostoso depois”.
A dica? Oferecer somente a quantidade indicada pela ração/veterinário, dividida em algumas vezes ao dia; se o pet não comer tudo, retire a vasilha depois de uns 20 minutos mesmo assim. Não suplemente essa ração que sobrou com algo mais gostoso, para ver se ele limpa o prato. Siga essa rotina rígida nas próximas refeições, até o peludo espertalhão perceber que só tem ração durante as refeições – petiscos e guloseimas só durante adestramento ou para recompensar bons comportamentos. E para os pets gulosos, que parecem comer, e ainda estar com fome, sempre farejando um petisco mais gostoso, vale o mesmo esquema: a ração aparece durante as refeições, e petiscos são “prêmios”! É importante não se deixar levar pela carinha “de fome” do peludo, pois se ele já está alimentado corretamente com sua ração, certamente não está com fome, e sim com vontade de comer! Tipo a gente, que mesmo depois de uma feijoada, ainda encara a sobremesa!
Alguns cães realmente têm distúrbios alimentares
É preciso saber separar o que são comportamentos aprendidos e o que realmente pode ser um problema de saúde. Geralmente, nossos peludos gulosos são loucos por comida simplesmente por serem “bons de garfo” – labradores e beagles são bons exemplos. Isso não é distúrbio alimentar nem falta de educação, mas um comportamento natural do cão que acabou sendo reforçado pelos tutores (que oferecem mais e mais alimento achando que o cão está com fome). Por outro lado, alguns cães tem menos apetite – yorkshires e whipets, por exemplo. Mas mesmo nesses casos, é esperado que os pets comam adequadamente todos os dias, mesmo que seja uma pequena porção.
Alguns cães, além de comerem sua comida de forma exacerbada, também podem comer objetos não comestíveis. Alguns tutores, sem conhecimento, acreditam que o pet está com fome, e sem acesso à ração, acabam suprindo a necessidade com o que acham pela frente (pedras, papéis, plásticos, brinquedos, madeira, e até fezes). Porém, isso é um distúrbio de comportamento chamado pica, e deve ser rapidamente tratado com a ajuda do veterinário e de um especialista em comportamento.
Cães extremamente seletivos, que podem passar dias sem comer – mesmo petiscos ou guloseimas – não devem ser taxados somente de “frescos”: essa falta de apetite pode ser causada por alguma doença. Muitas pessoas dizem para deixar o cão sem comer, pois uma hora terá fome e será obrigado a se alimentar, mas deixar um cão desse tipo passar alguns dias sem comer, para ver se seu apetite aumenta, não é uma opção! A atitude imediata é levar o cão ao vet, pois jejum completo pode significar alguma doença.
*** Por Juliana Nishihashi, Adestradora e Consultora Comportamental da Cão Cidadão